MPF entra com ação contra responsáveis pelo apagão de 2020 no Amapá

O órgão solicita uma indenização de quase R$ 70 bilhões aos consumidores pelos danos ocasionados durante 21 dias, no auge da pandemia de covid-19.
Comunidade da 10ª Avenida do Congós, localizada em uma área de palafita, na periferia de Macapá, capital do Amapá / Foto: Dayane Oliveira

O Ministério Público Federal (MPF) moveu uma ação para responsabilizar entidades públicas e privadas pelas falhas que culminaram no apagão ocorrido em novembro de 2020 no estado do Amapá. Na ação, o órgão solicita que os acusados sejam condenados a indenizar os consumidores por danos morais coletivos e danos sociais, com um valor que pode atingir R$ 70 bilhões.

A ação judicial tem como réus a União, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Linhas Macapá Transmissora de Energia Elétrica (LMTE), a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Também foram processadas as controladoras da LMTE, Gemini Energy e Energisa S.A., além da controladora da CEA, Equatorial Participações e Investimentos II S.A. A ação, que foi assinada pela procuradora da República Sarah Teresa Cavalcanti de Britto, foi protocolada no dia 1º de fevereiro.

A apuração realizada pelo MPF revelou que o apagão de 21 dias no estado do Amapá foi causado por uma série de falhas e omissões de empresas e órgãos do setor elétrico. Esses agentes tiveram responsabilidade tanto nas etapas de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia, quanto na criação de normas, no monitoramento e na fiscalização do setor.

Na ação judicial, que possui mais de 500 páginas, o MPF detalha a contribuição de cada agente para a ocorrência do maior desastre de segurança energética na história do Sistema Interligado Nacional (SIN). A investigação identificou falhas, como o descumprimento de critérios de segurança por parte da LMTE, a negligência do ONS em relação à confiabilidade do sistema e o não cumprimento do rodízio de energia pela CEA durante o apagão. Além disso, a ação questiona a inação da Aneel na fiscalização do setor e a falta de planejamento da EPE.

A ação enfatiza que a LMTE foi negligente ao deixar de realizar as manutenções periódicas nos transformadores da Subestação Macapá, o que originou o apagão. Além disso, a transmissora descumpriu normas legais e regulamentares do setor, bem como os padrões de prestação de serviço. Já o ONS, ciente da indisponibilidade de equipamentos e dos atrasos na conclusão das manutenções, não tomou as medidas necessárias para mitigar a fragilidade do sistema.

Durante a fase de investigação, documentos e depoimentos foram cruciais para comprovar a omissão e o descumprimento das atribuições por parte dos agentes envolvidos. O MPF ressaltou que tanto a situação crítica da Subestação Macapá quanto a fragilidade do sistema energético do estado eram de conhecimento dos responsáveis.

No caso da Aneel, o MPF destacou que a agência estava ciente de que a LMTE operava com qualidade inferior à média das demais transmissoras há anos e sabia que, desde 2019, a Subestação Macapá funcionava sem um transformador reserva. Apesar disso, a Aneel falhou em sua função de fiscalização e não tomou medidas para assegurar a segurança energética do Amapá. Além disso, a autarquia contribuiu para a desativação antecipada da UTE Santana, ignorando a importância do sistema de redundância do estado, que poderia ter garantido o fornecimento de energia em caso de falhas.

A União, por meio do Ministério de Minas e Energia (MME), também teve uma conduta determinante ao autorizar, com aval da Aneel e do ONS, a antecipação da revogação da concessão da UTE Santana de 2024 para 2019. Essa decisão agravou ainda mais a vulnerabilidade do sistema energético do estado.

O apagão de novembro de 2020 impactou não apenas o fornecimento regular de energia elétrica, mas também a continuidade de serviços essenciais para a população. O corte de energia afetou o abastecimento de água, sistemas de telecomunicações e serviços bancários. Em meio ao pico da pandemia de covid-19, o estado enfrentou um cenário de caos: moradores fizeram filas para comprar gelo, água potável e combustível, serviços de saúde ficaram paralisados, comerciantes registraram prejuízos pela perda de alimentos perecíveis, entre outros graves problemas.

“A ação busca responsabilizar todos os envolvidos e garantir que a população do Amapá seja devidamente reparada pelos danos sofridos”, declarou a procuradora da República Sarah Teresa Cavalcanti de Britto, então titular da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.

Na ação, o MPF solicita o bloqueio de 30% do orçamento da União destinado à publicidade e propaganda, a partir de 2025, e de 20% do orçamento total da EPE, também a partir de 2025, com os valores sendo depositados em juízo. Além disso, requer que a LMTE deposite imediatamente R$ 70 milhões em juízo. A ação também pede a condenação solidária de todos os réus pelos danos causados à população.

O apagão deixou 13 dos 16 municípios do Amapá sem energia elétrica, afetando mais de 90% da população do estado. Cerca de 660 mil pessoas ficaram no escuro em meio à pandemia de covid-19, enfrentando também um período de intensas chuvas e alagamentos. O blecaute teve impactos profundos, incluindo o adiamento das eleições gerais de 2020.Como forma de reparação pelos danos causados, o MPF solicitou a condenação solidária de todos os réus ao pagamento de indenizações aos afetados, em um montante estimado em quase R$ 70 bilhões. Para calcular esse valor, o MPF analisou ações semelhantes em outras partes do Brasil, utilizando um valor base que foi multiplicado pelo número de cidadãos impactados pelo apagão no Amapá.

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